Com ingressos esgotados, Ed Motta apresentou em Amsterdam o seu novo disco AOR. Conversamos no North Sea Jazz Club, logo após a passagem do som, sobre sua música, influências, manias e sobre o novo trabalho.
Esse foi um dos shows de músicos brasileiros onde mais vi holandeses na plateia. Isso explica o alcance da musicalidade de Ed Motta. A sua genialidade musical coexiste entre o universo das suas referências internacionais e a inevitável influência do seu país, se expressando num mix de soul, funk, jazz que atravessa fronteiras.
Nesse projeto, Motta toma certa distância do funk, e traz um som polido, com jeito de pop sofisticado e mais adulto – o Adult Oriented Rock ou Album Oriented Rock, para íntimos, AOR. O resultado é um disco em duas versões, uma em inglês e outra em português, com refinamento e leveza singulares.
Como você define AOR?
É um tipo de música que eu escutei desde sempre, misturado com outras descobertas. O gênero teve o seu ápice em 1975 até 1982, 83, mas esse tipo de música é vigente até hoje. É uma música que toca em rádio adulta. Um exemplo clássico é Thriller do Michael Jackson.
A sigla AOR não se restringe a rock, certo?
A sigla AOR é absolutamente abrangente. Nos EUA, eles usam outra sigla MOR, Middle of the Road, que é ainda mais abrangente. Aí, podemos incluir Carpenters, Beatles, Air Supply. E ainda existe um desdobramento West Coast AOR, que também não é exatamente rock. Estamos falando de músicos como Christopher Cross e Steely Dan.
Steely Dan é uma grande referência pra você?
A influência de Steely Dan na minha carreira não é só na parte musical, mas também na parte sônica. A preocupação sonora com o disco. O AOR é um disco muito artesanal. Foi gravado em casa; as bases num estúdio e todas as coberturas, outros instrumentos, voz e a mixagem toda em minha casa. Durou quase um ano, foi um disco bem trabalhoso.
Você é tão perfeccionista como o Donald Fagen?
Ah, sim doença total – risos.
Por que duas versões: uma em inglês e outra em português?
A língua é um ponto de dúvida sempre presente. No fundo, acho que a língua franca da minha música é o inglês, que tem uma sonoridade mais próxima das referências tive. Escutei muito mais esses discos do que discos em português. Ao mesmo tempo, o português faz parte do meu dia-a-dia. É a forma que eu sonho e traz o que tenho mais dentro de mim. O português mexe com o outro lado da emoção, que não é só música. Tem o peso de ser a língua que eu nasci falando. Gravo em inglês não por questões mercadológicas. Realmente acho que a minha música soa melhor, mas ao mesmo tempo gosto de cantar em português porque sempre levo um pouco da sonoridade das minhas referências. O legal é que as duas versões se espalham, mas continuam se encontrando por aí.
Ed Motta conta convidados mais do que especiais nas duas versões. Na versão em inglês, a lenda viva do fusion, David T Walker, Bluey do Incognito, Chico Pinheiro, Chico Amaral e grandes guitarristas como Torquato Mariano e Paulinho Guitarra. Também parcerias com letristas: Rob Gallagher, na versão em inglês e na versão em português, Rita Lee, Adriana Calcanhoto e a sua ex-mulher Edna Lopes.
Como sua música se diferencia, vai além das suas referências ?
A minha música comunga com duas coisas: um lado introspectivo de fazer e um lado totalmente extrovertido dos cantores do soul. É uma música de coração. Ela é toda pensadinha, mas não fica só no cerebral.
Carrego um cacoete natural de outras pessoas que já faziam isso no Brasil: Cassiano, meu tio Tim Maia, Sandra Sá, Lady Zu, Banda Black Rio e tantos outros. Todos eles têm um pé muito grande no que se fez de forma internacional e globalizada do que se entende de jazz, funk, soul, AOR. Acrescento um olhar sulamericano, brasileiro. A música da argentina me interessa muito. O Spinetta tem muita influência enorme na minha musica.
Você fala que esse é um disco muito artesanal. Como fica a transição pro palco?
Nós temos um tempo meio jazzistico de trabalho, vamos acertando as arestas enquanto tocamos. Também os tempos são outros. No começo da minha carreira, haviam os grandes selos. O ritmo e o orçamento eram outros. Havia tempo e orçamento para ensaiar Hoje em dia os shows não podem parar. E aí no meio de um show, você já começa a ensaiar o outro. Vamos passando as músicas durante os ensaios, até chegar “no ponto”.A desejada perfeição nunca chega, mas chega num ponto razoável.
Você é famoso por sua incrível coleção de LPs e por outras paixões como o vinho. Você vai a fundo nas coisas que gosta?
Tenho poucas manias, mas sempre tentei estudar com respeito e obsessão gigante. É natural, uma necessidade de vida, de estar sempre conhecendo uma coisa nova; é meio que uma gasolina e no final, também me engravida de música.
O que você tem ouvido? O que ainda lhe surpreende em termos de música?
O Lucas Arruda, do Espírito Santo lançou um disco agora na França. Ele é genial! Gosto também da Orquestra Rumpilezz, lá da Bahia. Letieres Leite é um mestre. Tenho vontade de fazer um projeto com eles. A Rumpilezz gravou uma música minha no primeiro disco e participei de vários shows. Aquela formação é absolutamente brilhante.
Quais são os músicos e bandas holandesas que você ouve?
Ah, são muitos. Desde as coisas de jazz como a cantora Rita Reys, o saxofonista Tony Vos e o pianista que era do Focus, o Thijs Van Lier e as bandas todas de rock Earth and Fire, Shocking Blue, Reality, Massada e tantos outros. Tem um disco mítico do AOR que foi feito aqui na Holanda nos 70. São os dois primeiros discos solo do Erik Tagg, lançado em 1975, Rendez-Vous. Só saiu na Holanda e foi feito aqui; um disco brilhante, maravilhoso, um verdadeiro clássico do AOR.
Após Amsterdam,Ed Motta seguiu com sua turnê internacional para Londres, Tóquio e México.
Confira o video da entrevista que foi gravada no North Sea Jazz Club em Amsterdam
Imagens: Ron Beenen
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